As mulheres ampliaram a participação entre os candidatos que obtiveram nota máxima na redação do Enem. Nas últimas três edições da prova, elas foram responsáveis por mais de 3 em cada 4 textos que receberam nota mil.
Segundo os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pelo Enem, na última edição 60 pessoas conseguiram atingir a maior nota possível na redação, sendo que 46 delas foram escritas por mulheres (76,7% do total).
Em 2022 e 2021, elas foram responsáveis por 81,3% e 86,4%, respectivamente, do total de notas mil na redação.
A representação das mulheres entre as notas máximas nos últimos três anos fica bem acima da média histórica do Enem. Desde 2009, quando o exame passou a ter o formato atual e ser usado para a seleção de candidatos para as universidades, 12.151 pessoas atingiram a maior nota na redação, sendo 7.839 escritas por mulheres —média de 64,5%.
Elas também dominam outras faixas de alta proficiência. No ano passado, por exemplo, 204.837 mulheres tiraram nota entre 900-999 pontos —quase 2,5 vezes o número de homens (83.765) que conseguiram alcançar essa faixa de pontuação.
Os homens, no entanto, conseguem com mais frequência as maiores notas na prova de matemática e suas tecnologias. No ano passado, 3.979 candidatos homens alcançaram entre 900-1.000 pontos nessa área do conhecimento —o triplo de mulheres (1.334) que tiveram essa pontuação.
Para professores, a diferença de desempenho entre mulheres e homens é verificada desde o início da educação básica e se amplia nos últimos anos de ensino. Outras avaliações, como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), do governo federal, e o Pisa, prova internacional, mostram que as meninas apresentam resultados melhores em português desde o início da vida escolar.
“Esses resultados nos indicam uma tendência, ainda que irracional, de incentivar as meninas desde cedo para determinadas áreas de conhecimento e para o desenvolvimento de certas habilidades que condizem mais com o que socialmente é esperado das mulheres”, diz Flávia Xavier, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares da UFMG.
Ou seja, as meninas seriam mais incentivadas a atividades ligadas às ciências humanas, por ser uma área relacionada à comunicação e ao cuidado com o outro. Já os meninos, mais estimulados para a matemática, área mais associada ao uso da razão, da métrica.
“A escola reproduz as relações sociais e a cultura predominante na sociedade em que está inserida e, com isso, acaba reforçando certas expectativas de gênero. Isso explica a diferença de desempenho de homens e mulheres nas áreas avaliadas pelo Enem.”
Os dados do Inep revelam ainda outros tipos de desigualdades educacionais. Entre as notas máximas obtidas no ano passado, 39 foram de candidatos autodeclarados brancos, 13 de pardos, dois de amarelos e apenas um de quem se declarou preto. Nenhuma foi obtida por indígenas.
Daniela Garcia, professora de redação do Aprova Total, diz que o interesse e participação das meninas nas aulas de redação é perceptivelmente maior do que a dos meninos.
“As aulas de redação envolvem muitos debates sobre os assuntos que podem aparecer nas provas e é recorrente que as mulheres se sintam mais confortáveis e participem mais desses debates. É visível como elas se engajam mais do que eles”, diz Garcia.
A professora, no entanto, destaca que as principais recomendações para conseguir uma boa nota na redação do Enem vão na contramão do que os estereótipos de gênero associam como “habilidades mais masculinas”.
“Como os critérios de avaliação da redação são muito objetivos e específicos, é preciso ter uma certa frieza ao escrever o texto para conseguir contemplar todos os elementos exigidos. Isso foge do estereótipo de que os homens conseguem ser mais frios e objetivos que as mulheres”, destaca a professora.
A redação costuma ser determinante para discriminar os candidatos que conseguem uma vaga na universidade, já que representa 20% da nota final. É a única área, por exemplo, em que é possível chegar à nota mil, o que resulta em um peso relevante na média final do candidato.
Luana Pizzolato, 20, foi uma das que tiraram nota máxima na redação do Enem. Ela conta que desde pequena sempre gostou muito de ler e teve facilidade com a escrita.
“Desde muito cedo, eu tenho o costume de ler e escrever. Também sempre tive muita facilidade nas aulas de gramática, mas não esperava que fosse conseguir uma nota mil na redação. Fiquei muito surpresa e feliz com o resultado”, contou a jovem, que fez cursinho no Poliedro e agora cursa medicina.
A redação é corrigida a partir de cinco competências, com valor de 200 pontos cada uma: o domínio do português, compreensão do tema e aplicação de conceitos, articulação de informações, coesão e proposta de intervenção.
Esta última competência é uma inovação do Enem e não costuma ser cobrada em outros vestibulares. É nela que os alunos das redes estaduais têm as piores notas na comparação com quem estudou em escolas particulares, segundo a pesquisa.
Veja quais foram os últimos temas da redação do Enem
- 2023 — Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil
- 2022 — Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil
- 2021 — Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil
- 2020 — O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira
- 2019 — Democratização do acesso ao cinema no Brasil
- 2018 — Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet
- 2017 — Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil;
- 2016 — Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil;
- 2015 — A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira;