Entre as coisas que fazem de um vinho especial está conhecer seu lugar de origem e descobrir sua história através das pessoas que o fazem. Mas há um complicador: para isso, além de viajar, é preciso ter dinheiro, tempo e disposição para encarar roteiros de muitos quilômetros e pouca distração para além do vinho. Se seus companheiros de viagem não estão na mesma vibe, já era. A não ser que o destino seja Lisboa.
Embora não seja lembrada como um destino produtor de vinhos, a capital de Portugal é hoje uma macrorregião vitivinícola que substitui o que por muito tempo foi chamado de Estremadura (não confundir com a Extremadura espanhola). Ainda hoje é raro ler Lisboa num rótulo, sendo mais comuns os nomes das sub-regiões como Bucelas e Colares, por exemplo. Mas vire a garrafa e olhe o contrarrótulo e lá estará o selo da comissão vitivinícola da região, CVR Lisboa.
Para dar uma ideia do quão surpreendente esse passeio “enourbano” pode ser, começo por Bucelas, que fica a 30 minutos de carro do centro de Lisboa. Em uma visita às Caves Velhas, hoje chamada de Enopoint, fiz uma prova de seus brancos muito secos e minerais feitos com Arinto e pude constatar que a fama é justificada por um vinho delicioso e complexo e com um poder de envelhecimento fantástico.
A 40 minutos também do centro para o oeste, um pouco depois de Sintra, chega-se à praia de Colares. Ali, onde o surf é popular, fazem brancos e tintos com uma salinidade surpreendente. As uvas são plantadas na areia, o que, com o vento marítimo intenso, torna a viticultura difícil, quase heroica. Uma curiosidade é que esse terroir praiano protegeu a região da filoxera, a praga que dizimou vinhedos em toda a Europa no século 19. Quando o mosquito tentava cavar um túnel, a areia colapsava e impedia sua entrada.
Em Colares, uma visita agendada à pequeníssima Haja Cortezia pode oferecer um almoço autêntico e familiar, preparado e servido pelos produtores do vinho na sala ao lado dos lagares onde as uvas são pisadas. Embora os brancos sejam muito festejados, não deixe de provar os tintos leves e muito florais de vinhas velhas plantadas em field blends (prática portuguesa em que diversas castas são plantadas juntas para fazer o corte já na terra), além do varietal autóctone Ramisco. Vale ainda dar um pulo em Azenhas do Mar, uma praia de visual dramático, com direito a penhasco e casas branquíssimas.
Outra ideia é pegar uns pastéis de nata na Torre de Belém e seguir por mais 17 minutos a Carcavelos, onde está um dos vinhos doces mais especiais de Portugal. Em Oeiras é feita uma bebida equilibrada e cheia de nuances com notas aromáticas que vão do caju à avelã, uma joia que é fruto de um projeto público da prefeitura, o Villa Oeiras.
Agora, se nem carro você quer pegar, a dica é visitar a Adega Belém, que também fica pertinho da torre e produz vinhos de baixa intervenção e alta personalidade, com uvas produzidas no entorno da cidade. O pét-nat Frau Cláudia 2023, elaborado com Moscatel Graúdo da Península de Setúbal, é bem seco, turvo e faz uma mousse de encher a boca. Se estiver por lá, não deixe de provar e bater um papo com Catarina Moreira, que junto ao marido David Picard faz todos os vinhos.
Vai uma taça? De Lisboa, o Porta 6 branco (R$ 65 na DolceVino) é feito pelo mesmo enólogo do Haja Cortezia. O Confidencial (R$ 96 na Toque de Vinho), da Casa Santos Lima, é um tinto bem redondo e aveludado. Já o Bucellas Caves Velhas Branco 2021 (R$ 129 na Barrinhas) é para os pacientes: comprar, guardar e esperar alguns anos para fazer o teste da longevidade.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.