Não falta preocupação com o futuro das instituições e dos direitos humanos nos Estados Unidos caso o republicano Donald Trump derrote a democrata Kamala Harris no pleito desta semana. Há bem mais em jogo, contudo: um planeta inteiro.
Os norte-americanos vão às urnas uma semana depois de Valencia, na Espanha, sucumbir a inundação turbinada pelo aquecimento global, que fez mais de 200 mortos. Na semana seguinte, começa em Baku, Azerbaijão, a COP29, reunião de cúpula que pode ou não refrear a mudança climática desastrosa em andamento.
Trump vencendo, não se paralisam só políticas de Joe Biden para descarbonizar a economia do segundo maior emissor de gases do efeito estufa no mundo. O agente laranja também voltará a denunciar o Acordo de Paris (2015) e a sabotar uma ainda claudicante concertação internacional para deter a marcha do carbono.
Sua eleição reforçará a espiral da morte (para citar título do livro de Claudio Angelo sobre o tema) já em movimento. Crescem indícios de que os chamados feedbacks positivos se encontram em ação, quando impactos da mudança climática realimentam a própria mudança, acelerando o ciclo ominoso.
Com a degradação de florestas tropicais sob o golpe duplo de aquecimento e desmatamento, elas deixam de ser sumidouros de CO2, aumentando a concentração do principal gás-estufa na atmosfera. Oceanos mais quentes, além de turbinar furacões na América e tempestades como a de Valencia, passam igualmente a absorver menos CO2.
E não são só feedbacks físicos, há também os socioeconômicos, como alertou Charlie Gardner no X (antigo Twitter) há poucos dias. Secas graves reduzem a geração de energia hidrelétrica, forçando o acionamento de usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis –mais carbono no ar. Temperaturas em elevação intensificam uso de ar-condicionado e consumo de energia –e por aí vai.
Não surpreende, assim, que 34% de 2.000 pesquisadores ouvidos em enquete pelo periódico científico Nature tenham destacado preocupação com a mudança climática em eventual vitória de Trump, o item mais citado. E 86% deles cogitariam mudar de local onde fazem seus estudos caso ele prevaleça.
“Um país que não acredita em fatos não é um lugar seguro para construir uma carreira em ciência”, justificou um deles.
“Harris e seu partido mostram disposição para adequar políticas baseados em evidências”, ressalvou Kate Radford, que pesquisa bioquímica e biofísica no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em Pasadena.
O futuro dirá se Harris fará tudo que o clima precisa, na hipótese de vencer. É certo que continuará e talvez até aprofunde programas de Biden para energia limpa, mas nem o atual presidente nem sua vice se inclinam a adotar metas para reduzir a zero, até 2050, a queima de carvão, petróleo e gás natural, como seria imprescindível para manter o aquecimento em 1,5ºC sobre a era pré-industrial.
Uma vitória democrata na terça-feira constitui condição necessária para enfim destravar um compromisso, na negociação diplomática em Baiku e na COP30 de Belém, capaz de conter o contínuo aumento de emissões e a espiral de eventos extremos. Mas está longe, bem longe, de ser suficiente.
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