Andaremos em círculos na política, até que a bomba das emendas secretas seja desarmada, o equilíbrio entre poderes restabelecido e a alternância de poder no Legislativo retomada.
O resultado das eleições municipais confirma a vitória de um grupo político que criou uma estratégia deliberada para se perpetuar no poder, aproveitando brechas da democracia em benefício próprio. Divertem-se enquanto buscamos justificativas políticas e de conteúdo para as vitórias e derrotas. Não que elas não existam, mas, na hierarquia das causas, o fator determinante é o dinheiro.
A utilização de grande volume de recursos via emendas secretas, fundo partidário e a máquina pública resulta em vitória política. Não à toa houve um recorde de reeleições —81% dos candidatos se mantiveram no cargo—, anabolizadas por esse ciclo perverso que levará o país, de forma lenta e gradual, a governos cada vez mais autoritários. Existe um ciclo de emendas fortalecendo prefeitos e vereadores na eleição municipal, que por sua vez apoiam deputados e senadores na eleição seguinte, que retornam apoio a prefeitos e vereadores de seu campo político com novas emendas.
A ruptura deste ciclo, quando e se vier, não ocorrerá pelo Legislativo, interessado direto em sua manutenção, nem pelo executivo, refém de alianças que limitam suas ações, mas sim do Judiciário, ao enfrentar as armadilhas que ferem de morte princípios constitucionais de equilíbrio e alternância entre os poderes.
Muitos analistas buscam na falta de um projeto renovado da esquerda a explicação para seu pífio resultado na eleição, um quinto dos votos no país. Não que a esquerda não esteja devendo um projeto de futuro que sensibilize e mobilize a sociedade, mas é de se perguntar: que projeto tem a direita e a extrema direita que tanto entusiasma os eleitores e justifica sua vitória na eleição com dois terços dos votos? Qual o projeto oferecido pelo PL aos eleitores que justifique os seus 15 milhões de votos pelo país. Ou pelo PSD com seus 14 milhões de votos? Lamentavelmente não foi o melhor projeto que definiu as eleições.
Ganhou quem soube combinar os recursos das emendas com o poder da máquina pública. Se a distorção provocada pelas emendas não for corrigida, nossa democracia estará definitivamente sequestrada e as eleições servirão somente para chancelar os grupos que já estão no poder, o chamado centrão. Cabe ao STF o encaminhamento da transparência nas emendas, já que não se pode esperar do Congresso medidas nesta direção.
A estratégia foi gestada há mais de uma década pelos grupos que promoveram o golpe parlamentar de 2016. Porque desde então, pela fragilidade de Temer e Bolsonaro, o Congresso passou a dominar parte significativa do Orçamento e ganhou mais poder com o exponencial aumento das emendas parlamentares, decisivas no resultado das eleições.
Se no “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, talvez a maior obra da literatura brasileira, o sertão significa os vazios, medos e solidão da vida, e as veredas nossos momentos de arejamento e afetos, quando as coisas fazem sentido, no mundo do “Grande Centrão” há um deserto de ideias e os rodeios nos fazem andar em círculos, sem achar saídas. Não é por outro motivo que o Brasil é um país rico, mas dos mais desiguais do mundo há tantas décadas.
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