Meu filho de 6 anos é autista. Ele tem um problema de cognição, o que é uma tristeza para nós familiares, mas o tratamento dele me traz tranquilidade, porque ele fica de seis a oito horas por dia numa clínica com gente especializada passeando na floresta, por mais que isso custe muito ao plano de saúde.
Esse conjunto de frases absurdas é uma transcrição livre adaptada a minha realidade do que disse, nesta sexta-feira (22), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha, durante o terceiro Congresso Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao falar sobre a judicialização dos planos de saúde, o ministro demonstrou desconhecimento básico sobre a principal terapia usada em casos de autismo (e recomendada pelo CDC americano), a ABA, e sua vertente mais moderna, conhecida como ABA naturalística, por ser aplicada em contextos cotidianos, como a casa da criança, para ajudar na generalização do repertório aprendido.
“Agora tem um tratamento natural, como é o nome mesmo, esqueci? Tratamento em ambiente natural. Não sei o que é isso, faz parte da ABA, acho que leva a pessoa para a floresta, sei lá, abraça a árvore, deve ser esse negócio”, arriscou o ministro.
Mais à frente, ao falar da disputa entre o rol exemplificativo e o rol taxativo para os planos de saúde, o ministro afirmou que a restrição da cobertura dos plano “começou um movimento de muita ebulição”. “As pessoas que têm familiares com problema de cognição, toda a abrangência, todo o leque, né, essa tristeza que é a gente ter um parente com problemas cognitivos de desenvolvimento. Mas começou uma campanha muito forte. E veio uma lei, que a gente conhece, né, a legislação reativa, aquilo que acontece logo depois de um movimento popular, normalmente é uma lei de tragédia, uma lei malfeita, com baixa técnica legislativa.”
Ainda sobre o tratamento multidisciplinar para autismo, o ministro afirmou que “para os pais é uma tranquilidade, saber que seu filho que tem um problema vai ficar de seis a oito horas por dia numa clínica, com gente especializada, passeando na floresta, mas isso custa”.
Autismo não é “um problema de cognição”. Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento.
Meu filho não passeia na floresta de Brasília; ele treina habilidades em contexto natural (em casa e no parquinho) para viver bem em sociedade. Para mim, não é uma tranquilidade deixar ele todos os dias na terapia; eu preferia que ele jogasse futebol e estudasse francês, mas ele (ainda) mal fala o português.
Sobre tristeza… Tristeza para os familiares é ter que brigar com os planos de saúde ou o sistema público por acesso a terapias adequadas, baseadas em evidência, de qualidade, multidisciplinares — sim, ministro, treinar habilidades sociais é central para o autismo — e na carga adequada.
Também é uma tristeza ouvir opiniões desinformadas — e até jocosas — de autoridades que deveriam jogar a favor dos mais vulneráveis, e não contra.
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