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Opinião - Bia Braune: Quem ama some

Opinião – Bia Braune: Quem ama some


Numa entrevista em 1968, perguntado sobre sua longa e implicante amizade com o também escritor Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues resmungou. “Otto nunca me deu um telefonema!” Sentenciando, alguns parágrafos adiante: “O amigo possível é o desconhecido com quem cruzamos por um instante e nunca mais. O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência”.

De minha parte, não foi só uma, nem duas. Só este ano, contei para mais de trocentas as vezes em que me deparei com esse inescapável abismo rodrigueano em forma de “bora marcar!”.

Sou carioca, é fato, mas o fenômeno da desculpinha já se dá em todas as geolocalizações da catimbação social. Funciona assim: tudo bem conversar por WhatsApp, comentar post de Instagram. “Aceita um emoji de coraçãozinho?” “Sim, por favor, só não cisme de aparecer aqui na minha porta.” Afinal, a maior prova de que realmente se gosta de alguém é —jamais, em tempo algum— fazer qualquer esforço para encontrar essa pessoa.

Quando o celular toca, a etiqueta manda correr para ver quem é, deixando o aparelho se esgoelar até que a pobre alma do outro lado caia na caixa postal. Se era emergência, sentimos muito. Que tipo de troglodita ainda se atreve a ligar assim, sem ser golpista do pix?

Estamos tão Greta Garbo de nós mesmos —”I want to be alone!” (quero ficar sozinha)— que, outro dia, ao ser chamada à queima roupa para o cinema, levei um susto tão grande que fui, adorei, mas passei a sessão inteira entrincheirada atrás do saco de pipoca.

Há quem não interaja mais ao vivo, dando match em casa com quem estava a poucos metros na balada. Novas gerações com chip ermitão instalado de fábrica, preferindo jogar online. E a vida como ela agora é: acontecendo de pijama.

Não podemos, porém, trocar genteboíce real pela convivência diária só com chatos do trabalho e vizinho que não dá “bom dia”. Ainda precisamos respirar a mesma centimetragem cúbica de ar dos amigos, tomando chope e repercutindo a nova turnê do Oasis. Chorando de rir em óculos que possam ser desembaçados na manga de camisetas alheias. E dando carona em guarda-chuvas, mesmo sabendo que gentileza alguma impede que todos terminem molhados.

Em resposta a qualquer “bora marcar?” insincero, prometo responder de peito aberto. “Bora, sempre! Vivo ansiosa por nunca mais revê-lo.”


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