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Expedição à Antártida corre para aproveitar janela entre ciclones e evita falar de política

Expedição à Antártida corre para aproveitar janela entre ciclones e evita falar de política


O glaciólogo brasileiro Jefferson Cardia Simões, 66, lidera a missão, iniciada no último dia 23, que busca completar a maior circum-navegação na Antártida. Em meio a cientistas de diversas nacionalidades disputando os laboratórios do quebra-gelo científico russo Akademik Tryoshnikov, o pesquisador enfrentará a maior distância que já percorreu em uma expedição de navio.

O primeiro desafio era aproveitar uma janela de tempo entre ciclones e evitar ondas gigantescas. Superada essa etapa, o Akademik Tryoshnikov acelera para os experimentos iniciais no mar gelado e para a primeira estação científica na Antártida.

Simões, que é coordenador científico do Centro Polar e Climático da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), dá o pontapé da série Diário da Antártida, que semanalmente trará bastidores, desafios e achados da expedição.

Passamos há alguns dias ao largo da ilha Georgia do Sul. O pessoal saiu correndo para fora para ver o primeiro iceberg e a ilha. A partir dali, já estávamos no círculo Polar.

Ao redor do continente antártico temos um cinturão de baixa pressão que reflete exatamente a corrente circumpolar antártica, que está abaixo no oceano. É um ciclone atrás do outro, então, você tem que procurar janelas entre um ciclone e outro para evitar um mar com ondas de até nove metros. Você não quer pegar isso.

Passamos pela janela e o mar ficou moderado. Mas ainda tinha gente um pouco enjoada, como sempre.

Eu mesmo sou um homem de terra. Sou estoico neste ponto: navio para mim é o meu trabalho. Tenho que executar o trabalho, mas eu preferia estar em um acampamento, porque é muito mais estável. Tem também a questão de não ficar restrito a um ambiente, evidentemente, muito fechado. Você pode ir no gelo, na neve, é um espaço infinito. Para quem marea —todos mareiam, uns mais do que os outros— não é das coisas mais agradáveis, mas o trabalho tem que ser feito, né? E o mar vai ficar cada vez mais tranquilo conforme nos aproximamos da frente de mar congelado.

Estávamos no ponto em que só tínhamos navegado. Até o momento, muito trabalho de escritório, preparação e negociação sobre onde vamos amostrar [recolher amostras], quem vai amostrar, quem vai desembarcar. São as tarefas que precedem o trabalho de campo. Tem um ou outro sensor, é claro, captando dados continuamente desde o Rio Grande, como precipitação, dados meteorológicos e dados na superfície do oceano.

Daqui para a frente, o mar está cada vez mais frio. Quando chegar ao limite do gelo marinho, vamos correr paralelo a ele, para evitar entrar nele, o que tornaria a navegação muito mais lenta. O limite do gelo marinho —que neste ano está excepcionalmente grande— está a mais de duas centenas de quilômetros da costa.

A extensão grande do gelo marinho vai dificultar a aproximação de algumas das estações. Nós estamos navegando a 13 ou até 14 nós. De repente, entra no gelo marinho e vai para dois nós, porque o navio vai quebrando o gelo. E só temos 60, no máximo 65 dias para fazer todo o trabalho. Então ainda tem chance de passarmos correndo por algumas estações.

O gelo marinho mais extenso já era previsto. Em anos de El Niño, a região em que estamos no nordeste do mar de Weddell, tem a maior extensão de gelo marinho. Estamos atrasados devido ao mar congelado. No momento já entramos na área do Tratado da Antártica. Começamos a seguir o limite do gelo marinho em direção à estação científica russa Novolazarevskaya. Não chegaremos lá antes de 6 de dezembro.

Mais adiante, ao redor da Antártida, o gelo marinho diminui. E também será mais tarde na estação do ano, no verão, e o gelo estará derretendo mais.

Começaremos hoje, domingo (1º) pesquisas oceanográficas, com diferentes tipos de sondas —que alcançam até mil metros de profundidade—, obtendo informações sobre temperatura, correntes oceânicas, salinidade e outros parâmetros. No heliponto, começamos a soltar balões e sondas atmosféricos, para pegar dados de várias altitudes. Também começam as movimentações para amostrar sedimentos do fundo oceânico.

Ao chegarmos à estação Novolazarevskaya, alguns pesquisadores devem descer para amostrar solo congelado, micro-organismos, líquens e musgos. Não devemos encontrar mais do que isso —ainda bem, porque, se encontrasse, o processo de derretimento do gelo estaria acelerado. E já tem um pessoal que está observando pássaros. Começou-se a observar os grandes albatrozes.

Os oceanógrafos, que vão colocando sondas no caminho, basicamente não vão sair do navio. Quem sai do navio é o pessoal que vai trabalhar e coletar amostras de gelo e neve, a 10 km, 20 km da costa.

Com diferentes nacionalidades e culturas no navio, a gente evita ao máximo falar de política. Não seria o momento nem o local. Você está num espaço reduzido, você tem que saber administrar valores e percepções para não acontecer o que foi a polarização no Brasil.

Mas existe, é claro, uma competição dentro do navio, mas por laboratórios e para lançar equipamentos. São muitas pessoas em um espaço reduzido. Mesmo esse navio tendo características muito boas, ele ainda tem limitação no número de laboratórios. Temos oito ou nove. Até lugar para a armazenagem de amostras nós temos que coordenar. É uma questão de planejamento em um espaço reduzido.

Esta é a minha maior expedição em distância em um navio. Fiz toda a minha carreira no Programa Antártico Brasileiro. Fui o primeiro brasileiro enviado para o exterior para ser um glaciólogo, então fui pioneiro nessa área da ciência no Brasil. Sou geólogo de formação, mas nunca exercitei a profissão. Fui para o Instituto de Pesquisas Polares da Universidade de Cambridge. Voltei, criei essa área no Brasil e criei o Centro Polar e Climático na UFRGS. Estou fazendo o trabalho que gosto de fazer.

Eu tinha interesse na questão de exploração geográfica, de conhecimento sobre a questão ambiental, que já estava aparecendo no início da década de 80. Sempre tive muita consciência do processo de degradação ambiental. Nas expedições, você começa a ver gradativamente as mudanças, principalmente onde eu fiz as minhas pesquisas nos primeiros 15 anos, nas Shetlands do Sul, na Antártida, e no norte da Península Antártica. As rápidas mudanças climáticas são indubitáveis.

Do ponto de vista humano, a Antártida te dá a possibilidade de cooperação e, mais ainda, de ter visões interculturais, de dividir percepções da realidade e achar pontos em comum.

O nosso objetivo final aqui é ter o máximo possível de dados do ambiente físico, químico e biológico. Isso possibilitará que se trabalhe com novos cenários apontando nossos limites na Terra. A gente já sabe muito desses limites, mas até onde podemos ir? Temos que, cada vez mais, aceitar que um planeta finito não tem recursos infinitos. Não podemos negar o processo que está cada vez mais intenso. E a Antártida te dá a possibilidade de ver esses processos amplificados.



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