O terceiro dia do cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah manteve a inusual rotina para uma trégua, com ações militares do Estado judeu sendo mantidas no sul do Líbano nesta sexta (29).
Coube ao chefe do Comando Norte do Exército israelense, general Ori Gordin, definir a natureza peculiar do arranjo mediado pelos Estados Unidos com apoio da França.
“Nossa tarefa é implementar e aplicar o cessar-fogo. Iremos aplicá-lo de forma agressiva, nas condições que estabelecermos. Não deixaremos o Hezbollah voltar a estas áreas [no sul do Líbano]”, afirmou na quinta (28), durante uma visita às forças ainda no país vizinho.
De todo modo, a trégua está valendo, e não há mais ataques aéreos de grande porte como os que se tornaram rotina desde setembro, quando as escaramuças fronteiriças entre Israel e Hezbollah escalaram para uma guerra aberta que destruiu a cadeia de comando do grupo extremista.
Segundo correspondentes do jornal libanês L’Orient-Le Jour, foram relatados tiroteios à noite em pelo menos 11 cidades do sul, a área que deverá ser ocupada segundo o acordo pelo Exército de Beirute.
Nesta manhã (madrugada no Brasil), quatro tanques israelenses entraram em Marjeyoun. Campos de oliveira foram obliterados por escavadeiras e casas destruídas, segundo o jornal. As prefeituras locais pediram para que os moradores que haviam deixado suas casas com a guerra ainda não voltem às áreas com presença israelense.
A França, próxima dos libaneses pelos 23 anos de domínio encerrados em 1943 na região, protestou. O presidente Emmanuel Macron “apelou a todas as partes para que trabalhem pela plena implementação do cessar-fogo” e criticou “ações que contrariem” tal objetivo, segundo comunicado do governo francês.
Macron conversou com o premiê libanês, Nagib Mikati, e com o mais poderoso político do país, o presidente da Câmara dos Deputados, Nabih Berri.
Na quinta, Israel e o Hezbollah haviam se acusado mutuamente de violar o cessar-fogo. Tudo indica, contudo, que os incidentes até aqui relatados e a disposição demonstrada por Tel Aviv vão permitir que a trégua se sustente, mesmo que de forma bastante precária.
Na primeira entrevista que concedeu após anunciar o acordo, o premiê Binyamin Netanyahu afirmou que se houver “uma grande violação” dos termos da trégua, “haverá uma guerra intensiva” contra o Hezbollah a qualquer momento.
Ele disse ao Canal 14 que está pronto para ir “além das operações cirúrgicas como as que ainda estamos fazendo agora”. O próprio acordo dá 60 dias para que os israelenses saiam e os libaneses ocupem a região, sem a presença do Hezbollah, o que sugere uma transição a quente.
Tal arranjo não funcionou nas duas vezes que foi tentados, em 2000 e, com aval de uma resolução da ONU, em 2006. A guerra na região disparada pelo ataque do Hamas palestino a Israel em 7 de outubro de 2023, que recebeu o apoio de seu aliado Hezbollah, mudou contudo o balanço de poder.
As Forças de Defesa de Israel disseram ter matado cerca de 2.500 combatentes do grupo libanês, apreendido 25 mil armamentos e atingido posições dele 12,5 mil vezes desde o início do conflito, acirrado no fim de setembro.
O governo libanês conta cerca de 3.800 mortos ao todo, sem separar combatentes do Hezbollah. Do lado israelense, morreram 114 pessoas, incluindo militares.
No norte de Israel, ainda é tímida a volta de refugiados, temendo alguma ação surpresa do Hezbollah. Ao menos 60 mil pessoas deixaram a região. Até aqui, o cessar-fogo tem funcionado nessa frente: os aplicativos de alerta de mísseis e foguetes silenciaram na região desde a quarta (27).
Os dois meses iniciais de trégua segundo o acordo coincidem com o fim do governo de Joe Biden nos EUA. Seu sucessor, Donald Trump, é um aliado ferrenho de Netanyahu.
AÇÃO DEIXA 30 MORTOS EM GAZA; ATENTADO FERE 9 ISRAELENSES
A interligação com a guerra ainda em curso na Faixa de Gaza abre oportunidade para uma paz mais ampla, e o cessar-fogo foi aprovado pelo Hamas e pelo Irã, que banca ambos os grupos. Mas em campo a violência segue.
Nesta sexta, o ministério da Saúde ligado ao Hamas na região disse que ao menos 30 palestinos foram mortos durante uma operação com tanques e blindados de Israel no campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza.
Na mão contrária, o Hamas assumiu a responsabilidade por um ataque a tiros contra um ônibus com colonos judeus que iam de Tel Aviv para o assentamento de Ariel, na Cisjordânia ocupada.
Nove pessoas ficaram feridas, três em estado grave. A Cisjordânia é um ponto focal da crise devido à política deliberada do governo de Netanyahu de tentar expulsar árabes e aumentar a presença de colonos, o que é ilegal segundo o acordo de paz entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina.
Agora, a extrema-direita do gabinete do premiê, que foi derrotada na discussão do cessar-fogo no Líbano, pede para que Israel reocupe Gaza.
O pedido foi feito no X pelo ministro Itamar Ben-Gvir, o mais vocal integrante ultrarreligioso do governo. Ele sugeriu também “encorajar a emigração voluntária dos inimigos de Israel”, um eufemismo para limpeza étnica.